Sobre a legalidade e legitimidade do corte de ponto dos servidores grevistas da USP - Danilo Uler Corregliano

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No dia 14 de agosto de 2014, o diretor da Faculdade de Direito da USP, professor José Rogério Cruz e Tucci, juntamente com os professores Nelson Mannrich, Sérgio Pinto Martins e Estêvão Mallet, divulgaram um texto sobre a greve no serviço público[1].
Em síntese, foi emitido um fundamentado parecer que conclui pela legalidade do desconto salarial dos dias parados, em razão da greve dos servidores da USP. Para tanto, os ilustres juristas colacionam em seu artigo alguns precedentes judiciais do STJ e do STF, que patenteiam a legalidade e legitimidade deste desconto.
Com todo o respeito, trata-se de uma retrógrada visão do direito social, que volta as costas à realidade, muito embora seja mantido no texto um verniz de defesa do direito de greve.
Tenha-se em vista, primeiramente, os três Mandados de Injunção julgados pelo STF, referenciados pelo parecer: MI 670/ES, MI 708/DF e MI 712/PA. O que tais julgados trouxeram para o mundo jurídico foi a garantia estatutária do direito de greve, quase igual à prevista para o setor privado, até que lei específica passe a regulamentar o tema da greve no serviço público.
Pois bem. A fim de robustecerem suas posições, os quatro professores colacionam um julgado do STF (RE 456530/SC, de 13 de maio de 2010, do Relator Ministro Joaquim Barbosa) no fito de não só defenderem a legalidade mas a obrigatoriedade do desconto, face ao princípio da indisponibilidade do patrimônio público.
Desapercebem os professores (ou, propositadamente, optam por se desaperceberem) que o precedente traz, em sua parte final, uma importante ressalva. Na verdade, tal ressalva já fora consignada no MI 708/DF (Rel. Min. Gilmar Mendes).
Na ocasião, o Relator do Recurso Extraordinário, o Ministro Joaquim Barbosa, admite ressalvas ao desconto dos dias parados, em se tratando de greves contra mora salarial ou por outras situações excepcionais que justifiquem o afastamento da premissa da suspensão do contrato de trabalho. Tais situações excepcionais são aquelas previstas na parte final do caput do art. 7º da Lei de Greve (Lei nº 7.783/89): em suma, quando estão sendo entabuladas negociações entre as partes, mediadas ou não pelo Poder Judiciário ou organismo arbitral.
 
Por um tempo, que o Direito seja deixado de lado e seja observada a realidade fática que abarca os sujeitos do conflito: os servidores entraram em greve pelo simples motivo do reajuste zero proposto pela Reitoria. O gritante e irredutível reajuste zero. Não se está a falar de reajuste que repõe a inflação e garante um acréscimo nulo. Trata-se de nenhum reajuste.
Retorne-se ao Direito com o pano de fundo fático. Não se estaria diante de uma forma camuflada de mora salarial, à medida que a inflação corrói o poder de compra dos salários congelados?
São públicos e notórios os elevados índices de inflação acumulados nos últimos anos. Mas, apesar deste fato, a Reitoria oferecer um reajuste zero só pode ser considerado uma afronta ao princípio da irredutibilidade salarial.
Então os professores que assinaram o texto concordam com estas ocultas formas de rebaixamento salarial, sendo eles mesmos prejudicados? É claro que estes professores não levaram em conta um fato diferenciador: o impacto do reajuste zero nos salários menores (tal como dos setores técnicos e administrativos) é bem maior que o impacto do congelamento em um setor de salário mais elevado, tal como o dos docentes.
Professores, tanto o auxiliar de cozinha quanto o diretor precisam comprar produtos da cesta básica que, tal como amplamente difundido, encarecem diariamente.
Ora, é bem sabido que nossos Tribunais Superiores permitem o desconto dos dias parados, desde que não haja tratativa entre as partes dispondo de modo diverso. Seria então o caso de se perguntar: e quando a Reitoria da USP, ardilosamente, recusa-se à negociação, tal como ocorre no caso em tela? Seria lícito este desconto? Manter posição irredutível quanto ao reajuste zero é, por via reflexa, fechar as portas à negociação.
Nem seria preciso muito esforço técnico para compreender isto: sendo a greve legal e legítima, impedidas as escorreitas vias negociais por culpa exclusiva da Reitoria, e tendo-se em conta se tratar de parede travada em razão da depreciação salarial (espécie de mora salarial oculta), cortar os vencimentos deste período seria ferir de morte o já restrito direito de greve dos servidores.
Não é possível um núcleo de excelência no ensino e na pesquisa produzir teorias ou aderir a posições políticas divorciadas da realidade social. A posição da Reitoria e de seus juristas é insustentável e vem na contramão das promessas de valorização do corpo de funcionários da instituição. Valorização esta que influi diretamente na qualidade do ensino, pesquisa e extensão, objetivos primeiros da USP.
Com a precarização do ensino público e desrespeito ao corpo funcional que garante o funcionamento da USP um cidadão não pode pactuar! Só é lamentável que a Diretoria e parte do Departamento de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da USP se coloquem nesta retrógrada posição.

1. Disponível em http://www.usp.br/imprensa/?p=42102. Acesso em 21 de agosto de 2014.

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