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No apagar das luzes de 2018, o Congresso Nacional aprovou uma nova alteração na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Sancionada pelo Deputado Rodrigo Maia, Presidente da Câmara dos Deputados no exercício do cargo de Presidente da República, e resultante do PL 843/2007[1] apresentado pelo Deputado Daniel Almeida (PCdoB), a Lei 13.767 de 18 de dezembro de 2018 inseriu um novo inciso no artigo 473 da CLT.
Primeiramente, lembremos o que dispõe o art. 473 da CLT, com sua redação do caput dada da seguinte maneira: “O empregado poderá deixar de comparecer ao serviço sem prejuízo do salário: [...]”. E, nos incisos seguintes, encontramos diversas situações de faltas justificadas, tais como no casamento, no falecimento de parentes próximos, no alistamento militar, na doação de sangue, etc.
Estudamos essas situações quando, na disciplina de Direito do Trabalho, enfrentamos o problema da suspensão e da interrupção do contrato de trabalho. As hipóteses do art. 473 da CLT, além dos repousos semanais remunerados e das férias, são consideradas formas de interrupção do contrato laboral: o período não trabalhado é contado como tempo de serviço e há pagamento de salários com os seus consectários. Uma maneira fácil de distinguir a interrupção da suspensão é pegar a primeira letra de cada palavra: Interrupção – Inclui salário; Suspensão – Sem salário.
Pois bem, a novel alteração legislativa inseriu um novo inciso abonador de faltas: “XII - até 3 (três) dias, em cada 12 (doze) meses de trabalho, em caso de realização de exames preventivos de câncer devidamente comprovada”.
Uma primeira observação: seria incorreto dizer que é permitido ao empregado faltar três vezes por ano para realizar exames preventivos de câncer, justamente porque a regra é explícita no sentido de tornar possível o abono das três faltas no período de dozes meses de trabalho. Sabemos que, em Direito, 30 dias é diferente de um mês, 24 horas é diferente de 1 dia e assim por diante...
Caberá à atividade interpretativa e integrativa resolver uma possível complicação. A lei menciona “em cada 12 (doze) meses de trabalho”, mas seriam 12 meses corridos ou 12 meses de trabalho efetivo? No caso em que o empregado se afasta, ocorrendo a interrupção (por outros motivos) ou mesmo a suspensão, esse período de afastamento deverá ser contado ou não para o cálculo dos doze meses? Ou contaria somente contará nos casos de interrupção?
Em nossa modesta opinião, se a lei quisesse considerar somente o trabalho efetivo – o que não compreenderia os períodos de suspensão contratual – teria feito expressamente. As limitações de direitos trabalhistas devem ser expressas, não sendo típico da boa técnica interpretativa juslaboral restringir onde o legislador não o fez.
Deixemos passar alguns anos para vermos como a doutrina e a jurisprudência se posicionarão.
Seja como for, parece uma justa inclusão legislativa e, apesar de atrasada, louvável. A neoplasia maligna, nome técnico da doença, é um mal que atinge milhões de trabalhadores brasileiros. Segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), estima-se que, somente entre 2018 e 2019, surgirão 1,2 milhão de novos casos da doença[2]. A sensibilidade legislativa que resultou nessa nova hipótese de interrupção do contrato do trabalho se justifica pela alta mortalidade do câncer[3]: de fato, a possibilidade de descontos salariais e demissões por faltas afasta a prevenção da doença.
Sobre esse aspecto, teríamos duas breves considerações, sendo uma estrutural e outra mais conjuntural.
Do ponto de vista da estrutura econômica da sociedade, essa mudança legislativa pode ser compreendida como uma medida tendente a preservar a “saúde da classe trabalhadora”, com vistas à manutenção do fluxo de assalariamento e extração de mais-valor. Em outras palavras, mesmo que o não-trabalho remunerado prejudique o empresário individualmente, em uma perspectiva mais ampla, o sacrifício em nome da saúde do trabalhador seria feito por um “bem maior”. Na economia política, os estudiosos relacionariam esse abono com a questão da mais-valia relativa – na formação do valor do trabalho, que se decanta no salário e no custo da mão de obra, entrariam na conta os gastos do trabalhador com sua sobrevivência, incluindo a saúde. Por esse mesmo motivo, embora de um lado o empregador pague tributos sobre a folha de pagamento para a manutenção da seguridade social, no outro lado a garantia de um sistema público de saúde, ou de possibilidades de saúde privada mais barata, não pressionam para um aumento do valor do trabalho (que se manifestaria como um aumento do salário).
Já num plano mais conjuntural, a medida, além de reafirmar a interdependência dos direitos sociais, é plenamente correta. Deve, pois, ser considerada uma conquista dos trabalhadores, que poderão se preocupar um pouco mais com suas vidas e integridades física e mental. Apesar das determinantes estruturais, cuja crítica deve permanecer implacável, toda medida destinada a melhorar as condições de vida da classe trabalhadora deve ser bem recebida, uma vez que estabelece os padrões mínimos de sobrevivência para que possam ser alçados voos mais altos.
[1] Disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=349393. Acesso em: 20 dez. 2018.
[2] BRITO, Carlos. Inca diz que expectativa é de 1,2 milhão de novos casos de câncer no país entre 2018 e 2019. G1 Rio. Disponível em: https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/inca-diz-que-expectativa-e-de-12-milhao-de-novos-casos-de-cancer-entre-2018-e-2019.ghtml. Acesso em: 20 dez. 2018.
[3] Segundo a justificação do PL, disponível em http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra;jsessionid=559DD1EB79325C3B1E7D5E901710B22C.proposicoesWebExterno1?codteor=454761&filename=Tramitacao-PL+843/2007. Acesso em: 20 dez. 2018.