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Quando da edição da Lei 13.467/17, assim chamada “Reforma” Trabalhista, tivemos a oportunidade de explorar as alterações e as permanências na noção de grupo econômico, notadamente no que tange aos novos parágrafos 2º e 3º do art. 2º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)[1].
Naquela ocasião, dizíamos que as razões para a caracterização de grupo econômico eram intuitivas. Afinal, se uma empresa que albergou determinado vínculo empregatício estiver coligada com outra empresa (ou com um grupo de empresas), então a utilização daquela força de trabalho beneficiou, mesmo que indiretamente, todo o grupo. Isso porque foi a exploração deste contrato de emprego por qualquer das empresas que tornou possível a viabilização econômica de todo o grupo, que se colocou no mercado em condições idealmente mais vantajosas.
Consequentemente, a contrapartida deste “benefício” auferido pela empresa no mercado seria uma maior garantia dos créditos trabalhistas, com a extensão da solidariedade, com vistas à evitar fraudes aos credores trabalhistas. Exemplos comuns dessas relações empresariais que, inclusive, poderiam se dar factualmente, seriam as holdings, pools, coligações, consórcios, etc. O rol não poderia ser taxativo justamente porque o grupo econômico não exige formalização, sendo admissíveis grupos econômicos de fato.
No dia 9 de novembro de 2018, a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região publicou um acórdão referente aos apensados agravos de petição em sede de embargos de terceiro autuados sob os nº 0000011-23.2017.5.02.0076 e 0000012-08.2017.5.02.0076. A ementa do acórdão, cuja Relatoria ficou a cargo da Desembargadora Ivani Contini Bramante, resume bem a controvérsia e a posição jurisdicional assumida, no sentido do enquadramento do factoring enquanto grupo econômico:
ATIVIDADE DE FACTORING. INGERÊNCIA INDEVIDA NA ADMINISTRAÇÃO DA EXECUTADA. CONFIGURAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. ART. 2º, § 2º DA CLT. Ao financiar empresas em dificuldades financeiras, injetando capital para o desenvolvimento dos negócios, a factoring interfere na administração a ponto, de, na prática, assumir a direção e o controle da empresa fomentada. In casu, a realidade fática indica verdadeira fraude praticada com finalidade de resguardar o patrimônio da devedora em detrimento de seus credores. De fato, não se está diante de uma verdadeira relação comercial, apta a afastar a responsabilidade solidária das agravantes. Dessarte, entendo evidenciado que as agravantes eram responsáveis pela administração financeira da reclamada (devedora principal), coordenando os recebimentos e pagamentos desta com exclusividade, em verdadeira relação de simbiose entre as empresas, ultrapassando os limites que norteiam as operações do factoring, caracterizando a formação de grupo econômico, nos termos do §2º do artigo 2º da CLT.
Apesar de as empresas de factoring já terem interposto Recurso de Revista, permanecendo a discussão em aberto para eventual reanálise pelo TST, a discussão nesse processo é interessante e revela uma sensibilidade da Turma Recursal no tocante ao princípio da primazia da realidade que atravessa tanto o direito material quanto o direito processual do trabalho.
Essa seria, talvez, uma primeira razão pela qual a matéria dificilmente seria revista pelo TST: trata-se de análise fática, o que atrairia o óbice da Súmula nº 126 do TST.
Ao julgar os embargos de terceiro e, posteriormente, o agravo de petição, tanto a Vara de Origem quanto a Turma do TRT-SP consideraram a prova pericial produzida, que concluiu a ingerência das empresas de factoring em relação às empresas devedoras na execução. Ou seja, o contrato de fomento mercantil era um arremedo de sociedade oculta; uma malsucedida tentativa de driblar o credor trabalhista, uma vez que as empresas de factoring recebiam valores decorrentes dos serviços prestados pela empresa executada, elegendo, inclusive, os pagamentos que deveriam ser feitos. Em outras palavras, a receita da empresa executada era dragada para as empresas de factoring, e estas decidiam os rumos empresariais daquela. Clara fraude à execução trabalhista com o desvirtuamento do contrato de fomento mercantil, eis que a realidade concreta evidenciou uma simbiose entre as empresas de futurização e a empresa executada.
Insta observar, finalmente, que a 4ª Turma do TRT-SP se apoiou em precedente do Tribunal Superior do Trabalho:
AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. O Tribunal Regional registrou que a relação existente entre as três primeiras reclamadas e as três últimas, ora agravantes, excedeu o limite do objetivo da factoring, havendo, na realidade, gerência do negócio por parte das recorrentes, com interferência na direção, no controle e na administração, caracterizando a formação de grupo econômico e permitindo o reconhecimento de sua responsabilidade solidária. Diante desse contexto fático, insuscetível de revisão nesta instância extraordinária, a teor da Súmula nº 126 do TST, não é possível aferir violação literal do art. 2º, § 2º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e não provido (TST, AIRR - 103-05.2012.5.04.0372, Relatora Ministra: Dora Maria da Costa, Data de Julgamento: 04/12/2013, 8ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/12/2013).
Em resumo, parece-nos bastante razoável a posição jurisprudencial tomada, em sintonia com os princípios específicos do processo do trabalho e da execução trabalhista. Ainda mais nesse contexto atual, em que a Justiça do Trabalho amarga impressionantes taxas de congestionamento da execução, onde os/as trabalhadores/as ganham, mas não levam.
[1] CORREGLIANO, Danilo Uler. “Grupo Econômico”. In: SOUTO MAIOR, Jorge Luis; SEVERO, Valdete Souto. Resistência: aportes críticos contra o retrocesso trabalhista. São Paulo: Expressão Popular, 2017.